Carta da Suiça
Uma paragem de quase três dias no Luxemburgo foi suficiente para recarregar baterias, retemperar energias e seguir viagem na rota traçada e sonhada de uma Europa por destapar. O objectivo final do percurso era Itália e o sul de França. Do Lux, eu e o meu navegador de asfalto, o distinto Sérgio, rumámos para sul. Direcção Mediterrâneo. Bastaram cerca de cinco horas para atravessar uma Alemanha deserta. Fria de gente e ambiente. Do percurso, muito bem americanizado por um desfiladeiro de Mc Donalds, registamos como positivo o facto das auto-estradas serem de borla e não terem limite de velocidade. Isso e pouco mais. Quase nada que pudesse despertar interesse tirando as luzes claras e intensas de algumas cidades que chegavam a ofuscar as estrelas no Céu. Se não fosse os meus pseudo toques e retoques num alemão já muito abandonado e verdadeiramente enferrujado, estávamos tramados porque francês e inglês são bandeiras linguísticas que ignoram. Poderia dizer que esta passagem apressada não deu para chegar a dados reais dessa Alemanha sem o tal muro que acabou por cilindrar a restante Europa nos últimos anos. No entanto, foi sempre assim nas quatro vezes que visitei o país. A falta de simpatia que roça muitas vezes no desprezo alia-se à fraca e insípida gastronomia. Honra seja feita às picantes salsichas alemãs e a alguma cerveja gelada e bem calcada por uma espuma fina e branca como a neve nos Alpes.
Eram cerca de duas da manhã, estávamos na fronteira da Suiça. O objectivo, pensávamos nós, era ir pernoitar a Zurique para visitar a cidade no dia seguinte. O pior foi conseguir convencer as autoridades fronteiriças que o carro era português, que vínhamos do Luxemburgo e o nosso objectivo era Itália e França. Ou o tipo era surdo ou não percebeu o meu francês. Repeti-lhe a explicação três vezes. Mas até é compreensível. Como seria possível um guarda fronteiriço, àquela hora da matina, acreditar que estávamos a dar uma voltinha à Europa num Peugeot 106, se nem alguns dos nossos amigos confiaram na nossa retórica. Acho que nem a produção e realização da “Floribela” ou dos “Morangos” se lembraria de tamanha andança num pequeno chariot. Só vindo da cabeça de um louco. Só isso pode explicar. É obvio que daquela carola oca e olhar carrancudo não saía também a ideia que vínhamos, quiçá, da Holanda com um risonho carregamento de erva-doce para alimentar alegremente o gado suíço. Então, vai de revistar o fraco e já um pouco cansado bólide. Nem o piloto e co-piloto escaparam às estremecidas garras afiadas do pesquisador de cargas ilegais ou descargas mortais. Depois da revista à parada militar, o que me lembrou a minha guerrilha urbana na Tapada de Mafra com o décor do Convento do “viril” D. João V em pano de fundo, lá tivemos uma hesitante luz verde para seguir caminho.
Cerca de cinquenta quilómetros à frente, tínhamos chagado a Zurique. A maior cidade Suiça e onde, segundo consta no trombone de muitos locais, a cidade com maior qualidade de vida do mundo. Mas também a mais cara do planeta. Então, nessa cidade gorda de francos, cidade dos poucos tostões mas muitos milhões, dos bancos dourados que mais parecem palácios de cristal, dos carros rápidos e das mulheres feias e gordas como potes a rebentar de aguardente, dois Tugas lembraram-se de perguntar a um taxista por um hotel que fosse económico. É óbvio que, sorrindo pasmado de admiração, só podia ter respondido de uma forma: “um hotel barato em Zurique?…eheheh”.
Mortos de sono e de uma viagem atribulada de mágicas surpresas, pelo meio de dezenas de túneis suíços que mais parecem canalizações a rasgar montanhas, virámos a leste, direcção ao Liechtenstein e à Áustria. Foi então que, lá bem no alto, onde os pássaros gordos de plumas não hesitam em aninhar, descobrimos a bela comarca de Arosa. Tema da minha próxima carta.
Mário Gonçalves
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