Um Faquir em Liberdade
Dois dedos de conversa e uma pequena chávena de café Bocage na mão preencheram parte do serão de segunda-feira, noite de 24. Que mais poderia ser? Irado de olhar para as 17 polegadas de uma enorme caixa iluminada de radiação, as asas da imaginação levaram-me a surgir fantasmagoricamente junto de alguns cúmplices de enormes caminhadas nocturnas. Há dias que não aparecia, o que levou os mais cépticos, verdadeiros contabilistas do calendário de Abril, a julgar que estava de lábio descaído. Nada disso. Sempre que se possa, a família da savana é para manter agregada. O que se passou foi que as lutas com o talhante – faquir para os mais destemidos - deixaram mazelas difíceis de resgatar. A julgar por outros transeuntes do bloco, o tipo não brinca em serviço. Bom profissional, disso ninguém duvida. Mas, consta que continua a afiar as lâminas como fez Robinson Crusoé após o naufrágio na ilha mágica de Daniel de Foe. Ainda recordo que os relatos dos meus dois comparsas da recuperação só eram detidos quando as mulheres de bata branca surgiam no quarto sem pedir licença. Coisa de minutos. Logo depois de submergirem as pílulas milagrosas, lá se voltava ao mesmo. A mim, sinceramente, parecia que aquela conversa só ajudava a lembrar aquilo que pela agonia das dores não iria certamente esquecer tão depressa. Mas, pronto, há rapaziada de todas as cores e sabores. E aceitar conteúdos descabidos em tempo e espaço é também aceitar Abril. Os dois carolas, curiosamente estudantes do ensino profissional, entremearam-se a jogar pingue-pongue sobre o corte e costura em carne humana. Relatos de casos e acasos não faltaram. Tudo muito bem descrito como se de um texto queirosiano se tratasse. Nem o visualismo do poema mais Verde superava o momento. Um contou que a trisavó paterna aos 100 anos tinha sido operada às varizes, e o outro, certamente para não se sentir prejudicado no relato, resgatou nostalgicamente a tia Gertrudes (cujo cognome ao que parece era “super velhinha”) por esta ter agredido o cirurgião que não lhe terá dito bom-dia quando ela convalescia de língua pendurada no travesseiro. A determinada altura da palestra, com tanto rasgo em zigzag, até julguei que os dois modernos “estoriadores” tivessem lido “O Livro Vermelho de Jack - O Estripador”. Mas não. Ao que parece, não enxergavam patavina do dito compêndio.
Mas, voltando à savana, depois de ter percebido que a família Búfalo´s se encontrava au point, lá se falou do feriado mais livre da nação de Camões e Pessoa. À semelhança de anos anteriores, repetida em forma e conteúdo, da contingência das palavras voltou a emergir a ideia de uma dualidade vitalícias de opiniões. Dois grupos distintos quiseram defender a sua manceba de 32 primaveras. De um lado, os que continuam a achar que há liberdade a mais, do outro os que falam na falta dela. Como sempre acontece, fica-se com o empate para contentar as partes e alegrar as fontes. Afinal, ao que parece, ou quiçá não, respira-se Abril.
Mário Gonçalves
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